A verdadeira herança maldita

Publicado: 28/06/2011 em Política

O que pesa mais sobre Aloízio Mercadante, ex-senador e atual ministro da Ciência e Tecnologia: o passado recente do Partido dos Trabalhadores (PT) ou a reportagem da revista “Veja” da semana passada? Naquela edição é revelado que Expedito Veloso, ex-gerente do Banco do Brasil, teve conversas gravadas com membros do PT em que tratava da elaboração de um suposto dossiê contra José Serra que o envolveria com o “escândalo dos sanguessugas”, que estourou em 2006. Esse esquema de corrupção visava ao desvio de dinheiro público destinado à compra de ambulâncias, o que tornou o caso também conhecido como “máfia das ambulâncias”.

Em setembro do mesmo ano, integrantes do PT foram presos em flagrante pela Polícia Federal com quase R$ 2 milhões que seriam usados para compra do dossiê. Além de Serra, então candidato a governador de São Paulo, os documentos apreendidos revelariam a ligação de outros membros do PSDB à “máfia”, entre eles Geraldo Alckmin, candidato do partido à presidência da República em 2006.

Com origem no governo de FHC, provavelmente em 2001, na gestão do ministro da Saúde José Serra, que quando se candidatou foi substituído por Barjas Negri, a fraude continuou no governo Lula quando estiveram à frente do Ministério Saraiva Felipe e depois Humberto Costa. No fervor das eleições, sempre houve tentativas de relacionar os ex-ministros ao caso, especialmente José Serra e Humberto Costa (candidato ao governo de Pernambuco naquelas eleições), responsabilizando-os pelos fatos, mas nunca foi comprovado que eles estivessem por dentro da tramóia articulada por deputados, senadores, ex-deputados, assessores parlamentares e empresários.

Veloso deixa claro na entrevista que participou da montagem do dossiê analisando documentos e tudo foi feito a mando de Aloízio Mercadante. Ele afirma que se tratava de uma “missão de campanha” encomendada pelo partido. Incomodado com a pecha de “aloprado” (termo usado por Lula para classificar os integrantes do PT envolvidos na compra do dossiê que foram presos em flagrante pela PF), Veloso resolveu se vangloriar diante de seus companheiros petistas, contando-lhes detalhes do esquema, ocasião em que teve a “infelicidade” de ser gravado. Confrontado por “Veja”, ele não somente confirmou o que se ouve na gravação como também deu mais detalhes.

Na edição desta semana, a revista traz novas revelações sobre o caso, dessa vez envolvendo a recém-empossada ministra das Relações Institucionais Ideli Salvatti. Ela foi uma das primeiras a levar à imprensa as acusações contra Serra, além de ter, ainda segundo a revista, manipulado documentos e fotos que comprovariam a ligação do tucano à “máfia das ambulâncias”. Segundo a reportagem, a ex-senadora, que era líder do PT à época, se reuniu com a cúpula do partido no gabinete de Aloízio Mercadante dias antes de o nome de Serra ser envolvido no caso por um jornal de Brasília.

Aloízio Mercadante, que tentava a eleição ao governo de São Paulo, seria diretamente beneficiado pelo escândalo, além do fôlego extra que a campanha de Lula, candidato à reeleição, ganharia com as denúncias contra os tucanos. Depois de descoberta a farsa, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) investigou quase uma centena de parlamentares (deputados e senadores), fora recomendada a abertura de inquérito contra mais de 70 e mais de duas dezenas de ex-deputados se tornaram suspeitos de participar do esquema fraudulento, porém, nada se comprovou contra os ex-ministros da Saúde.

No ano seguinte, o inquérito contra o então senador Aloízio Mercadante fora arquivado pelo STF por falta de provas. Agora, com o surgimento de novos fatos e a revelação de Expedito Veloso, a oposição pede a reabertura do caso envolvendo o ministro da Ciência e Tecnologia, contrariando os argumentos de sua defesa que tenta negar o óbvio. A se comprovar a participação dos dois ministros de Dilma Roussef no “caso dos aloprados”, não resta outra saída à presidente que não seja o afastamento imediato de Mercadante e Ideli dos respectivos cargos, caso queira evitar mais um desgaste em seu governo em tão pouco tempo. Teremos mais duas mudanças ministeriais?

A impressão que se tem é que o ex-presidente Lula deixou uma bela herança para sua sucessora. Ao articular meticulosamente para montar a equipe de ministros, Dilma pretendia mesclar nomes técnicos e políticos, mas todos sabiam desde o início que as sugestões de Lula seriam facilmente acatadas. O ex-presidente deu-lhe de “presente” não apenas a Presidência, ao emprestar à insossa candidata todo o seu peso político. Vê-se agora que Dilma foi brindada com a “herança maldita” de corrupção e fraude que tanto marcou o período lulo-petista.

Há uma esperança. Dilma certamente ainda está abalada pela saída de Antonio Palocci da Casa Civil, nas circunstâncias que todo mundo conhece. Sabe que a demora do ex-ministro em vir a público se manifestar sobre o escândalo que o envolvia tornou a sua permanência no cargo insustentável. Incorrer no mesmo erro seria um atestado (mais um?) de pulso fraco da presidente e de sua incompetência para gerir crises políticas. Se até o impoluto Sarney está pedindo para que os ministros dêem explicação o quanto antes, há sinal de que realmente vem mais lama por aí.

O silêncio do PT e a falta de veemente contestação das declarações de Expedito Veloso soam como algo significativo. Se ele disse bobagens, por que simplesmente não o processam? Até quando, apesar das evidências e do conhecido modo petista de se fazer política, tudo será tratado como uma “mera tentativa da oposição em desestabilizar o governo”?

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