Arquivo de junho, 2011

Antes mesmo de decretar estado de calamidade pública, o governo do Estado já sinalizava que não realizaria o arraial do Parque Anauá, alegando falta de verba e de condições do local para abrigar um evento desse porte, motivos há muito já conhecidos por todos os boa-vistenses e noticiados a todo tempo. A Prefeitura há poucos dias trilhava o mesmo caminho ao comentar a incerteza quanto à realização do “maior arraial do Norte” pois, devido à redução de repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o caixa anda “apertado”, o que, ainda segundo o Executivo municipal, tem sido motivo de atraso no pagamento de salários dos servidores.

Ainda à espera da liberação dos R$ 15 milhões provenientes do Ministério da Integração Nacional para reconstrução das áreas atingidas pelas fortes chuvas dos últimos dias e para assistência às vítimas da enchente do Rio Branco, Boa Vista se prepara para a realização de sua tradicional festa junina, que começará no dia 9 de julho e se estenderá até o dia 16. Espera-se, segundo a Prefeitura de Boa Vista, que 120 mil pessoas visitem o Arraial nesse período e haja uma movimentação financeira de R$ 4 milhões, além da geração de emprego e renda.

Neste ano, o Canil da Guarda Municipal foi desativado. Segundo a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Trânsito (SMSUT), o seu fechamento deveu-se (também) à redução do FPM e constava do pacote de medidas adotas pela Prefeitura para ajustar o orçamento em virtude da crise financeira pela qual Boa Vista tem passado ultimamente. A mesma Secretaria argumentou, ainda, que se tratava apenas de uma unidade de suporte e por isso não haveria nenhum prejuízo para a defesa do patrimônio da cidade.

À época, o presidente do Sindicato dos Guardas Municipais do Estado de Roraima, Vilmar Moreira, contestou a decisão da Prefeitura e disse que tentaria convencer as autoridades a não fechar o Canil, alegando a necessidade de uso dos cães em determinados tipos de abordagem a marginais, busca por drogas e apoio à Polícia Civil em investigações. Tudo isso, segundo ele, com um baixo custo de manutenção dos animais.

Eram gastos R$ 600 por mês, ou seja, R$ 7,2 mil por ano e, ainda assim, com a ajuda de cota dos guardas para alimentar e medicar os animais. As tentativas de Moreira foram frustradas e, como se sabe, não houve “busca de parcerias” para que se tentasse solucionar o problema. Vale lembrar também a situação dos restaurantes populares que em março foram fechados por dois dias. O motivo alegado? Falta de recursos em conseqüência (mais uma vez!) da redução do FPM.

A falta de urgência para evitar que se desativasse o Canil é, no mínimo, um contra-senso se compararmos à agilidade da Prefeitura na organização do arraial deste ano. Vale ressaltar que, cada equipe do grupo especial de quadrilhas juninas receberá R$ 8 mil. Ou seja, por alguns dias de festa elas receberão R$ 800 a mais do que se gastaria em um ano cuidando dos cães que “trabalhavam” na Guarda Municipal. A Prefeitura deve repassar R$ 130 mil para as 20 quadrilhas e há uma semana foi realizado o chamado “Esquenta Junino”, evento para a escolha da Rainha e Rei Caipiras, cujo total da premiação (em dinheiro) era de R$ 6,3 mil.

As informações são de que serão gastos R$ 480 mil pela Prefeitura Municipal na realização do evento, podendo chegar a R$ 800 mil com a ajuda proveniente dos parceiros do setor privado. A expectativa de Mário Augusto Moura, vice-presidente da Liga de Quadrilhas de Roraima (Liquajur), era a de que o governo do Estado repassasse R$ 324 mil para todas as quadrilhas da capital e do interior.

Não há dúvidas de que investimento em cultura, geração de “emprego e renda” e o esforço para que se realize um evento de tamanha importância para o município sejam louváveis. A dúvida é quanto ao critério (se houver) para a escolha de prioridades, quando Estado e municípios passam por dificuldades financeiras que atingem o bom funcionamento administrativo e as políticas públicas não são suficientes para atender as demandas mais urgentes, como saúde e educação de qualidade, além do investimento em infraestrutura.

Enquanto isso, quase 1.900 pessoas, entre desabrigados e desalojados, ainda sofrem as conseqüências diretas das fortes chuvas de “inverno” que elevaram o nível do Rio Branco como não se via há muito tempo. Elas ainda dependem da doação de cestas básicas, roupas, do amparo de amigos e parentes, pois muitas perderam casas, móveis e eletrodomésticos. Não se pode dizer que faltou solidariedade da população e que os órgãos públicos não tenham se esforçado para tentar dirimir a dor dessas pessoas (antes tarde do que nunca!).

Se investir em eventos como esse faz circular milhões de reais, já não seria hora de Estado e municípios unirem forças para “alavancar” a cultura e o turismo, não somente em datas comemorativas? Não seria mais “lucrativo” se organizar, planejar e “buscar parcerias” em prol da industrialização e melhoria da prestação de serviços para que mais recursos sejam arrecadados e nos tornemos menos dependentes do FPM e do FPE? Por que a urgência de algumas ações não se aplica a outras e, na maioria das vezes, tenta-se “tapar o sol com a peneira” e esperar o pior acontecer, o que nos coloca à mercê dos recursos federais e da ajuda que custam a chegar?

Em determinadas situações, faz-se mais que urgente a necessidade de quebra de “protocolo” na adoção de medidas que visem ao bem comum, principalmente quando se trata da redução de desigualdades sociais e do atendimento às pessoas atingidas por “desastres naturais”. Seria de bom tom se, ao menos em situações críticas, víssemos o mesmo empenho e rapidez que há na organização de festas e na busca de parcerias para a realização de grandes eventos.

Assim como há competência para agendar, conforme o orçamento de cada poder executivo, os eventos de todo ano e contemplar cada pasta com verbas generosas, seria razoável se o planejamento e a prevenção também fizessem parte da administração pública evitando, assim, os transtornos causados à população em períodos “atípicos” e o gasto desnecessário de tempo e dinheiro para amenizar os estragos.

O diplomata de Dilma

Publicado: 28/06/2011 em Política

Quando todos pensam que a presidente Dilma Roussef caminha para ganhar independência do seu tutor e tomar as rédeas do governo, eis que surge a notícia de que o ex-presidente Lula vai representar oficialmente o Brasil em uma missão especial na Guiné Equatorial, país do continente africano. De hoje até o começo de julho, acontecerá a XVII Assembléia Geral da União Africana, que reúne os 53 países africanos. O ex-presidente também ministrará palestra no dia 30, cujo tema é “Empoderamento (seja lá o que isso for) da Juventude para o Desenvolvimento Sustentável”. A nomeação de Lula saiu no Diário Oficial da União de ontem.

Na semana passada, o ex-presidente brasileiro esteve na Venezuela visitando o “companheiro” Hugo Chávez para, segundo suas assessorias, discutir temas que “têm perturbado o cenário político internacional”. Estariam na pauta as manifestações populares que têm ocorrido nos países do Oriente Médio, além das “agressões dos Estados Unidos aos países petroleiros”.

Outro fato curioso é que, antes de chegar à Venezuela, Lula esteve em Cuba em um encontro com os irmãos Fidel e Raúl Castro, onde revisou uma série de projetos financiados pelo Brasil. Antes de adoecer, Chávez tinha visita agendada ao Brasil para esta semana e o encontro com Lula teria sido um preâmbulo da reunião que ocorreria com a presidente Dilma.

São inegáveis o peso político de Lula e sua influência direta sobre Dilma Roussef. Aos que ainda têm esperança de que a presidente imprima sua própria marca e comece a governar longe da sombra do ex-presidente, fica a crença de que parece algo difícil de ocorrer em virtude até mesmo do tratamento subserviente dela em relação ao padrinho. A despeito de uma eleição democrática que a conduziu ao cargo, tenha sido por mérito próprio ou não, Dilma demonstra uma gratidão incondicional ao antecessor, que ultrapassa os protocolos inerentes ao cargo que ocupa.

Bem, talvez eu esteja enganado, e essa primeira viagem oficial em que Lula representará o governo brasileiro sob a gestão Dilma seja o início de uma série de outras que a presidente “arranjará” para deixar o “companheiro” afastado do cenário político nacional, impedindo-o, dessa maneira, de fazer aquilo que bem sabe: dar “palpites” sobre todo e qualquer assunto.

Sem Lula por perto, Dilma se sentirá livre para governar, errar, ”pisar na bola”, falar besteiras ou, simplesmente, manter-se calada. Mas, em qualquer situação, não ter a sombra de Lula rondando o Palácio do Planalto pode garantir a ela que, de fato, assuma o papel ao qual foi designada por mais de 55 milhões de votos (ainda que tenham sido dos eleitores de Lula!).

A verdadeira herança maldita

Publicado: 28/06/2011 em Política

O que pesa mais sobre Aloízio Mercadante, ex-senador e atual ministro da Ciência e Tecnologia: o passado recente do Partido dos Trabalhadores (PT) ou a reportagem da revista “Veja” da semana passada? Naquela edição é revelado que Expedito Veloso, ex-gerente do Banco do Brasil, teve conversas gravadas com membros do PT em que tratava da elaboração de um suposto dossiê contra José Serra que o envolveria com o “escândalo dos sanguessugas”, que estourou em 2006. Esse esquema de corrupção visava ao desvio de dinheiro público destinado à compra de ambulâncias, o que tornou o caso também conhecido como “máfia das ambulâncias”.

Em setembro do mesmo ano, integrantes do PT foram presos em flagrante pela Polícia Federal com quase R$ 2 milhões que seriam usados para compra do dossiê. Além de Serra, então candidato a governador de São Paulo, os documentos apreendidos revelariam a ligação de outros membros do PSDB à “máfia”, entre eles Geraldo Alckmin, candidato do partido à presidência da República em 2006.

Com origem no governo de FHC, provavelmente em 2001, na gestão do ministro da Saúde José Serra, que quando se candidatou foi substituído por Barjas Negri, a fraude continuou no governo Lula quando estiveram à frente do Ministério Saraiva Felipe e depois Humberto Costa. No fervor das eleições, sempre houve tentativas de relacionar os ex-ministros ao caso, especialmente José Serra e Humberto Costa (candidato ao governo de Pernambuco naquelas eleições), responsabilizando-os pelos fatos, mas nunca foi comprovado que eles estivessem por dentro da tramóia articulada por deputados, senadores, ex-deputados, assessores parlamentares e empresários.

Veloso deixa claro na entrevista que participou da montagem do dossiê analisando documentos e tudo foi feito a mando de Aloízio Mercadante. Ele afirma que se tratava de uma “missão de campanha” encomendada pelo partido. Incomodado com a pecha de “aloprado” (termo usado por Lula para classificar os integrantes do PT envolvidos na compra do dossiê que foram presos em flagrante pela PF), Veloso resolveu se vangloriar diante de seus companheiros petistas, contando-lhes detalhes do esquema, ocasião em que teve a “infelicidade” de ser gravado. Confrontado por “Veja”, ele não somente confirmou o que se ouve na gravação como também deu mais detalhes.

Na edição desta semana, a revista traz novas revelações sobre o caso, dessa vez envolvendo a recém-empossada ministra das Relações Institucionais Ideli Salvatti. Ela foi uma das primeiras a levar à imprensa as acusações contra Serra, além de ter, ainda segundo a revista, manipulado documentos e fotos que comprovariam a ligação do tucano à “máfia das ambulâncias”. Segundo a reportagem, a ex-senadora, que era líder do PT à época, se reuniu com a cúpula do partido no gabinete de Aloízio Mercadante dias antes de o nome de Serra ser envolvido no caso por um jornal de Brasília.

Aloízio Mercadante, que tentava a eleição ao governo de São Paulo, seria diretamente beneficiado pelo escândalo, além do fôlego extra que a campanha de Lula, candidato à reeleição, ganharia com as denúncias contra os tucanos. Depois de descoberta a farsa, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) investigou quase uma centena de parlamentares (deputados e senadores), fora recomendada a abertura de inquérito contra mais de 70 e mais de duas dezenas de ex-deputados se tornaram suspeitos de participar do esquema fraudulento, porém, nada se comprovou contra os ex-ministros da Saúde.

No ano seguinte, o inquérito contra o então senador Aloízio Mercadante fora arquivado pelo STF por falta de provas. Agora, com o surgimento de novos fatos e a revelação de Expedito Veloso, a oposição pede a reabertura do caso envolvendo o ministro da Ciência e Tecnologia, contrariando os argumentos de sua defesa que tenta negar o óbvio. A se comprovar a participação dos dois ministros de Dilma Roussef no “caso dos aloprados”, não resta outra saída à presidente que não seja o afastamento imediato de Mercadante e Ideli dos respectivos cargos, caso queira evitar mais um desgaste em seu governo em tão pouco tempo. Teremos mais duas mudanças ministeriais?

A impressão que se tem é que o ex-presidente Lula deixou uma bela herança para sua sucessora. Ao articular meticulosamente para montar a equipe de ministros, Dilma pretendia mesclar nomes técnicos e políticos, mas todos sabiam desde o início que as sugestões de Lula seriam facilmente acatadas. O ex-presidente deu-lhe de “presente” não apenas a Presidência, ao emprestar à insossa candidata todo o seu peso político. Vê-se agora que Dilma foi brindada com a “herança maldita” de corrupção e fraude que tanto marcou o período lulo-petista.

Há uma esperança. Dilma certamente ainda está abalada pela saída de Antonio Palocci da Casa Civil, nas circunstâncias que todo mundo conhece. Sabe que a demora do ex-ministro em vir a público se manifestar sobre o escândalo que o envolvia tornou a sua permanência no cargo insustentável. Incorrer no mesmo erro seria um atestado (mais um?) de pulso fraco da presidente e de sua incompetência para gerir crises políticas. Se até o impoluto Sarney está pedindo para que os ministros dêem explicação o quanto antes, há sinal de que realmente vem mais lama por aí.

O silêncio do PT e a falta de veemente contestação das declarações de Expedito Veloso soam como algo significativo. Se ele disse bobagens, por que simplesmente não o processam? Até quando, apesar das evidências e do conhecido modo petista de se fazer política, tudo será tratado como uma “mera tentativa da oposição em desestabilizar o governo”?

A derrota do Estado

Publicado: 24/06/2011 em Cotidiano, Política

A platéia que compareceu ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) na terça-feira, dia 21, antes, durante e depois do julgamento dos embargos protocolados pelos advogados do governador José de Anchieta contra a cassação de seu mandato em fevereiro deste ano, parecia constituída de torcedores de times de futebol, espectadores de um clássico que provoca grandes emoções e desperta uma rivalidade que, assim como ocorre nos estádios, nem sempre termina bem. Os “ingressos” poderiam ser “vendidos” a partir das 7 da manhã, quando começaram a chegar os primeiros torcedores de ambos os times.

Para organizar o acesso ao prédio e evitar tumultos, foram disponibilizadas 40 vagas para cada “torcida organizada” e muitos ficaram do lado de fora, aguardando o resultado do julgamento e esperando a hora certa para acender os fogos de artifício, soprar cornetas e cantar o hino do time, independente do resultado. Talvez houvesse confete e serpentina também.

As últimas ações judiciais envolvendo o atual governador e o segundo colocado nas eleições de 2010, Neudo Campos, sempre geram uma expectativa (quase uma euforia) quanto a quem estará à frente da governança do Estado no dia seguinte. Alguns se frustram, outros se regozijam. Há os que realmente se importam com a instabilidade constante sob a qual o Estado é governado e outros nem sabem do que se trata, estando ali só para engrossar o coro dos contentes (e dos descontentes). Infelizmente, trata-se de uma parte considerável que acaba influenciando a vida de todos por longos anos e reduzem as discussões políticas ao valor de “compra e venda” de cada voto.

Há ainda aqueles que são “convidados” a participar e os que recebem café da manhã, almoço e lanche como forma de agradecimento ao “apoio” dispensado. Como em alguns clássicos do futebol, as torcidas se organizam e têm à disposição transporte gratuito para que não deixem de participar desse gesto “democrático”. Tudo por amor ao “time” e pelo bom funcionamento da máquina pública.

O “jovem” Estado de Roraima é acometido desde a mais tenra idade por uma forma de se fazer política que assola os grandes currais eleitorais nordestinos há muito tempo. O modus operandi de velhos coronéis parece ter sido importado junto com a leva de políticos originários do Nordeste que aqui vieram fazer “carreira”.

Sem contar os milhares de “eleitores” que foram incitados a colonizar essas terras, quando ainda éramos apenas Território Federal. Estavam à procura do seu Eldorado, só que em lugar de riquezas e delícias, a política e suas benesses eram o principal tesouro. Alguns políticos encontraram solo fértil para arregimentar mais “seguidores” e fizeram história em Roraima.

Reclama-se que a “mídia nacional” só nos dá destaque quando há tragédias ou escândalos, porém somos os primeiros a tratar o Estado como reduto perfeito para se tirar vantagem em tudo. Paira no ar uma sensação de impunidade que parece nos dar a liberdade de faroeste, não apenas pelo quase isolamento em que vivemos em relação aos outros estados da Federação, mas também pela velha forma de se fazer política. Quando não há poder de reação e somos tratados como bois, muitas vezes só nos resta escolher entre o “sujo e o mal lavado”.

Saímos às ruas em dia de eleição, votamos (voto vendido ou não) mas, nos últimos anos, o principal “eleitor” tem sido a Justiça que, contrariando a vontade popular, decide quem governa. Afasta-se um, entra outro, vem uma onda de escândalos, tem-se mais um afastamento seguido de uma decisão judicial e não nos é permitido sequer pensar em novas eleições.

Enquanto isso, as torcidas ficam à espera dos próximos confrontos, acreditando que a “grande decisão” está chegando e que logo será conhecido o vencedor, mas sem perceber que a verdadeira derrota já foi imposta ao Estado há muito tempo, mesmo que o “árbitro” das longas batalhas judiciais ainda esteja longe de dar o “apito final”.

Por uma nobre causa

Publicado: 22/06/2011 em Cotidiano, Política

Uma emenda à Lei Orgânica do Município de Boa Vista aumenta o número de vereadores para 21, conforme reza a Emenda Constitucional de número 58, promulgada em 2009. Segundo a Carta Magna, municípios com mais de 160 mil e até 300 mil habitantes podem ter, no máximo, esse número de edis. A capital roraimense tem mais de 280 mil habitantes e 14 “representantes do povo”.

Com salários em torno de R$ 6 mil, o rendimento mensal de cada vereador ultrapassa os R$ 20 mil com a “ajudinha” da verba de gabinete e outros penduricalhos. Somem-se a essa renda os “trabalhos por fora” que, se não são todos, a maioria tem, e a “profissão” de vereador se torna uma das mais atraentes, ainda mais se levarmos em conta que não há muitas outras opções de “emprego” em nossa cidade.

Constantemente ouvimos reclamações dos políticos locais em relação à situação financeira do Estado e do município, que anda de mal a pior e as respectivas administrações não conseguem pagar suas contas em dia. Há atraso nos salários dos servidores municipais e estaduais, cancelamento de eventos festivos, falta de investimento e a permanente incerteza de comando nas duas esferas (quem entra?, quem sai?, quem manda?, quem desmanda?). Contenção de despesas, cortes de funcionários e atrasos nos pagamentos quase sempre são atribuídos à “maldita” redução do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e do FPE (Fundo de Participação dos Estados).

Em que pesem as circunstâncias, o aumento do número de cadeiras na Câmara Municipal, embora sustentado constitucionalmente, soa como um tapa na cara dos munícipes que sofrem com as mazelas que, normalmente, só são vistas em período eleitoral. O resto do ano é dedicado ao abandono e às causas particulares dos eleitos, muitos dos quais utilizam o cargo como trampolim para vôos mais altos. Não adianta a desculpa de que essa medida “não oneraria as contas do município, pois está tudo previsto no Orçamento, não comprometendo as contas públicas e seria feito apenas um remanejamento para abrigar os novos colegas…”.

Para a população, pouco importam os motivos alegados. O que interessa, de fato, é que a realidade dos nobres edis é bem diferente daquela dos pobres mortais que, dificilmente, se sentem “representados” por eles e costumam assistir, nas parcas sessões das “Casas do Povo”, a discussões de tamanha irrelevância e sem efeito prático na vida do cidadão comum, a exemplo de votações para mudança de nome de ruas, homenagens a “ilustres” moradores e outras coisas afins.

Muitos alegarão que lutam pelos menos favorecidos, fiscalizam o Executivo, legislam a favor do município e o interesse pelo bem comum está acima de tudo. Talvez possamos dar um voto de confiança a alguns “gatos pingados” que não fazem do cargo de vereador uma “profissão”, um meio de vida.

Se a vontade do povo é sempre lembrada em momentos decisivos e a opinião pública influencia os bastidores políticos (como nos fazem crer), não seria mais interessante se os senhores “representantes do povo”, em favor de uma nobre causa e em vez de se preocuparem em aumentar o número de cadeiras na Câmara, abrissem mão dos seus salários e agissem como voluntários ou meros conselheiros municipais?

Com esse gesto, eles abririam um precedente para que deixássemos de ser um dos últimos países a pagar salário a vereador, além de favorecê-los com tantas outras regalias, mesmo que trabalhem muito menos do que um reles mortal e recebam muito acima da média dos que ganham razoavelmente bem.

P.S.: Há um site chamado “Transparência Municipal” (http://www.oim.tmunicipal.org.br/) que disponibiliza um documento chamado “Remuneração dos Vereadores e Jornada de Trabalho”. Está em “Dados Municipais”. Ainda que seja de março de 2010 e se refira aos salários de 2005 com projeção de aumento até o ano passado, vale a pena dar uma olhada, especialmente na página 4, onde estão os dados sobre Roraima. Lá estão jornadas de trabalho dos dedicados vereadores, à exceção de Amajari, Pacaraima e Uiramutã que não deram informações.

Oposição partida

Publicado: 20/06/2011 em Política

Nos últimos nove anos, os partidos de oposição no Brasil deixaram de cumprir seu papel. Faltam-lhe coerência e disposição para confrontar a situação, pois hoje em dia se tornou temerário ir contra a grande onda petista que assolou o País nesse período e, ainda mais, contra seu “grande líder”. Na seara oposicionista, PSDB e Democratas (os dois principais, mas não os maiores em número de filiados) se perderam, quase sendo esmagados pelo PT e partidos aliados ao governo. A oposição parece cansada, velha, vencida e acanhada. Perdeu o rumo e se esqueceu de valorizar a própria tradição e os seus feitos.

Como se não bastasse o “vazio” ideológico, há oposição dentro da própria oposição. Nas últimas eleições presidenciais, a indecisão, por um longo período, de quem seria o adversário de Dilma Roussef fragilizou o ninho tucano. A demora de José Serra (PSBD-SP) em declarar sua candidatura e a expectativa sobre qual papel exerceria o agora senador Aécio Neves (PSDB-MG) na disputa de 2010 colocaram-no em desvantagem desde o início.

O candidato tucano teve dificuldade de apoio até mesmo das bases do partido e fez questão de esquecer, durante a campanha, que o PSDB já teve um presidente da República, que governou por oito anos. Fernando Henrique Cardoso foi preterido pelo colega de partido durante quase todo o período eleitoral e, talvez por se sentir ofendido, magoado, sabe-se lá o quê, o ex-presidente não se sentiu à vontade para declarar ostensivamente seu apoio a Serra.

Talvez o ápice do enfraquecimento da oposição tenha ocorrido em 2010, quando o PSDB demonstrou falta de “jogo de cintura” para fazer oposição ao governo, sentindo-se inseguro para bater de frente com a situação, receoso de contrariar a opinião pública. Confrontar Lula e seus altos índices de popularidade era sinônimo de perda de votos. Os oposicionistas se sentiram acuados e cada vez menores diante da imagem do ilustre petista e do PT.

Em convenções recentes do PSDB, percebeu-se claramente o desconforto existente entre Serra e Aécio. Também se percebe uma divisão entre os que apóiam abertamente um ou outro possível candidato. Apesar de ter ficado em segundo lugar na última disputa presidencial, tendo recebido mais de 40 milhões de votos, Serra não parece ser o preferido do partido para disputar as eleições presidenciais em 2014. O vento sopra a favor do senador mineiro.

O tucano, ao perder as eleições, demorou a vir a público e reconhecer a vitória de Dilma e, quando o fez, disse que a batalha não estava perdida, agradeceu aos seus principais apoiadores, mas, não se sabe se por esquecimento ou intencionalmente, deixou Aécio Neves fora da lista. Centralizador por natureza, sem carisma e avesso às badalações partidárias, Serra criou animosidade dentro do próprio PSDB.

Ao fazer questão de esconder o principal nome do partido (mesmo tendo havido, ainda que tardiamente, tímidas referências a FHC no final da campanha), o então presidenciável tucano deu um tiro no próprio pé. Esquivou-se do ex-presidente tucano e deu munição para os adversários quando teve a “brilhante” idéia de usar a imagem de Lula no primeiro programa eleitoral do PSDB. Diga-se de passagem, a atitude do partido foi vergonhosa em relação ao ex-presidente tucano desde que ele deixou a presidência, quando passou a tratá-lo como se não existisse para não perder a “simpatia” do eleitorado.

O que esperar de uma oposição tíbia, que “bate testa” internamente e dá margem a constantes especulações sobre o papel do partido? O que esperar quando ela tem vergonha do período em que era governo? O que estará por vir quando, contrariando as expectativas, a presidente Dilma é quem vem a público falar sobre os méritos do governo FHC, já que os próprios tucanos preferem escondê-lo?

Nos últimos 16 anos o governo tem estado nas mãos desses dois partidos, que parecem ter um único objetivo: disputar quem fica mais tempo na presidência da República. Por enquanto, a vantagem é petista. Dificilmente, tucanos ou quaisquer outros (?) “partidos de oposição” chegarão ao poder tão cedo. A máquina petista não conhece limites para “esmagar” adversários que, por sua vez, não sabem como reagir.

Correndo por fora (ou por dentro!) está o PMDB, que se alia a um ou outro de acordo com as suas conveniências, estando sempre “ao lado” da situação. O DEM cambaleia ao perder filiados para o recém-criado PDS de Gilberto Kassab e, até hoje, não encontrou um nome de peso a exemplo do “coronel” Antônio Carlos Magalhães.

O PV parece que só sustenta com Marina Silva e, apesar do expressivo número de votos que ela teve nas últimas eleições, o partido ainda não “oxigenou” o cenário nacional. Os inúmeros outros partidos, com exceção de alguns que se autointitulam “radicais”, eternos defensores das causas operárias e estão sempre contra o sistema (?), se tornaram siglas de aluguel há muito tempo e só servem para fortalecer coligações.

Enquanto eles se perdem, o governo avança e, ao que parece, continua em curso o projeto de um partido que pretende ficar no poder por anos a fio. Dilma não tem peso político, portanto Lula continua sendo o grande nome do PT e potencial candidato às eleições de 2014 quando, mais uma vez, desbancará a combalida oposição, que já parece não incomodar tanto assim e se apequena cada vez mais.

Ao completar 80 anos, neste sábado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com o discernimento que lhe é peculiar, dá declarações à imprensa e explica a aparente dificuldade de Lula em manifestar algum gesto cordial em relação a ele, sejam felicitações pela data de hoje (o que, segundo FHC, nunca ocorreu), seja o reconhecimento dos feitos de seu governo.

Os constantes ataques de Lula e do PT a Fernando Henrique se transformaram em uma espécie de cartilha para tentar apagar da memória do País as realizações do governo tucano. Para eles, era preciso se livrar da tal “herança maldita” e reinventar o Brasil, que imaginam ter começado a dar certo somente a partir de 2003. Durante todo o período lulista, houve uma desconstrução de governos anteriores, em especial o do seu rival FHC.

Em oito anos de governo, não me lembro de ter visto uma vírgula sequer de Lula tecendo elogios a FHC ou reconhecendo a importância do tucano na estabilização econômica brasileira. Os programas sociais (ou assistencialistas), cujas bases foram lançadas pelos tucanos, foram usurpados pelos petistas. Por pouco, o Plano Real, criado no governo do ex-presidente Itamar Franco quando FHC era ministro da Fazenda, não fora tomado como invenção petista.

Lula foi moldado pelos marqueteiros de sua campanha em 2002 para que se apresentasse mais simpático, digno da confiança da população e daqueles que mais o temiam: os empresários, o mercado financeiro e o FMI. A sombra de um possível calote na dívida pública do País, o rompimento de acordos firmados entre o governo e empresas, além da partidarização do Estado, eram mais temíveis do que os comunistas comedores de criancinhas de outrora.

Com o discurso de “Lulinha, paz e amor”, ele conquistou a simpatia de empresários e o voto de confiança do povo, sendo alçado à Presidência. Como sabemos, não houve calote da dívida e nem rompimento de acordos, mas a tomada do Estado pelo partido do barbudo é uma prática que persiste. Empresas de fundamental importância para o País, como os Correios e a Petrobras, tornaram-se cabides de empregos para petistas incapazes de gerenciar uma lanchonete, sendo palcos de escândalos, a exemplo dos Correios de Maurício Marinho, estopim para o que ficou conhecido como “mensalão”.

A imagem do barbudo operário, suado, sujo, com tom de voz agressivo e rebeldia estampada na cara ficou para trás, e eis que surge o Lula do diálogo, até mesmo com a oposição. Elogiado, inclusive, por grande parte da imprensa no começo de seu mandato, o ex-bicho-papão foi levado à condição de salvador da Pátria e passou a acreditar piamente que era um predestinado, o escolhido por Deus para solucionar os problemas da Nação, principalmente os dos miseráveis.

Como ele mesmo diz, “nunca antes na história do País” houve um presidente tão preocupado com as injustiças sociais e “idealizador” de tantos programas de assistência aos menos favorecidos. Lula foi, também, segundo sua própria consciência lhe diz, um pai para empresários e banqueiros que nunca viram tanto lucro em qualquer outro governo.

Com índices de popularidade nas alturas e sempre blindado dos escândalos que correram solto durante seu governo ele já começava a se sentir “o cara”, muito antes de o presidente americano Barack Obama classificá-lo como tal. O ego inflava a cada divulgação de pesquisa de opinião, a cada reconhecimento público, a cada discurso intensamente aplaudido e, assim, o “Lulinha paz e amor” foi dando espaço para o “Lula cheio de si”.

Sejamos justos: no que se refere à vaidade, Lula e FHC estão praticamente empatados, a não ser pela diferença de que o tucano sempre soube se comportar como presidente e, ainda mais, como ex-presidente. Manteve o decoro e, enquanto ocupou o cargo, não tentou enterrar a história dos colegas que vieram antes. O petista, por sua vez, deu “pedradas” enquanto esteve no comando e atirou para todos os lados, e em seus discursos inflamados fez questão de se vangloriar e desmerecer o adversário político.

A questão não se restringe à formação intelectual ou aos anos de estudo de um ou de outro, pois o comportamento vai além dessas coisas. Lula se deixou influenciar pelos elogios e assessores que o tratavam como rei, caiu nas graças do povo e de autoridades internacionais e isso foi lhe subindo à cabeça de tal maneira que ele realmente passou a acreditar que era um ator indispensável na construção da história do Brasil.

Discrição nunca fora seu forte e dar opinião sobre tudo e todos, utilizando-se de metáforas futebolísticas, e percebendo que assim era mais fácil de a mídia repercutir seus discursos e indelicadezas, tomou conta da situação e se tornou intocável. Lula sempre esteve convencido de que era o modelo exemplar de presidente da República, não só para o Brasil, mas para o resto do mundo.

Se durante o seu mandato ele desrespeitou instituições e regras de comportamento, não seria diferente agora. Em suas queixas referentes à FHC, Lula sempre disse que ao deixar a Presidência iria ensinar ao tucano como um ex-presidente deve se comportar. Mais uma das bravatas do petista.

Lula não soube se comportar como presidente e nem o sabe como ex. Continua aparecendo na mídia, “articulando” junto à Dilma Roussef, negociando e metendo o bedelho onde não é chamado. Até o momento, ele não se desapegou do poder, e nem dá sinais de que vá fazê-lo. Ao contrário de FHC, que sabe o que diz e mede as palavras, além de reconhecer as qualidades e feitos até mesmo dos adversários, o petista ainda não dá sinais de humildade e parece, ao estar sempre em evidência, preparar o terreno para 2014.

Pelo menos nesse ponto, Dilma se distancia um pouco de seu “mentor” e dá exemplo de civilidade ao reconhecer os méritos do ex-presidente tucano. Ao enviar-lhe carta, nesta semana, parabenizando-o pelos 80 anos, a presidente fez questão de ressaltar a importância de FHC na história do País, reconhecendo, inclusive, a paternidade do Plano Real.

Com essa atitude, a presidente demonstra que divergências políticas e de opinião podem ser tratadas de forma elegante e sem que se tente destruir biografias. Pode-se considerar, ainda, que Dilma e FHC, por alguns instantes, estiveram do mesmo lado, deixando Lula isolado com sua descortesia e ingratidão.

Atualização

Publicado: 18/06/2011 em Uncategorized

Bom dia, pessoal! Passando por aqui pra avisar que o blog voltará a ser atualizado hoje à tarde! Valeu!

O presidente do Congresso, José Sarney, mais uma vez volta à mídia em defesa do que lhe parece circunstancialmente favorável. No começo deste mês, ele decidiu retirar de uma exposição daquela Casa o painel que fazia referências ao processo de impeachment de seu ex-desafeto e agora aliado e amigo, Fernando Collor de Melo, alegando não ser um acontecimento importante para a história do Brasil. No mesmo dia, após pressões da opinião pública e repercussão da imprensa, o velho cacique maranhense voltou atrás.

Está em tramitação no Congresso, a princípio em caráter de urgência, o Projeto de Lei Geral do Direito à Informação, que prevê o fim de sigilo eterno para documentos públicos do governo brasileiro, que abrangem, inclusive, o período da ditadura (1964-1985). Ao lado de quem estava, àquela época, o hoje senador peemedebista José Sarney, agora paladino da democracia e governista roxo? Seria ao lado dos ditadores ou dos que lutavam pela democracia?

Da mesma maneira que tentou “apagar” a fase final do governo Collor, Sarney agora sai em defesa da manutenção do sigilo dos documentos, alegando que aqueles referentes às fronteiras com outros países poderiam causar crises diplomáticas e reacender antigas disputas com vizinhos como Peru e Bolívia. Em um primeiro momento ele se referiu de forma genérica ao projeto, afirmando que mexer nesse lado obscuro da história seria uma “abertura de feridas”. Depois, tentando amenizar, disse ter se referido apenas aos documentos que tratam da definição de fronteiras.

A intenção do senador é dúbia. Como sempre, Sarney, ao tentar suavizar mais uma de suas declarações, tenta jogar com a opinião pública e desviar o foco das pressões que ele e Collor têm exercido sobre o governo Dilma para que sejam feitas alterações no projeto. Para atravancar ainda mais, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), solicitou a retirada da tramitação em caráter de urgência.

Será que esses nobres senhores e tantos outros que estão no poder, e estiveram lado a lado com a ditadura, têm algo a esconder? Será que para Sarney e seus acólitos essa parte da história do País também não tem relevância? É, no mínimo, de se estranhar que aqueles que vêm a público falar em prol da liberdade de imprensa e de expressão, quando confrontados pela mídia e pela opinião pública, queiram vetar ou restringir o acesso a informações que deveriam ser de conhecimento público. Quais são essas velhas feridas que tentam esconder indefinidamente?

Note-se que o engavetamento se deu por pressão de Sarney e Collor, este último presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, responsável pela papelada da Lei que trata do acesso à informação. Dilma Roussef, a princípio favorável à abertura dos documentos ao público, recuou para atender às solicitações dos imaculados ex-presidentes. Com a revisão do projeto sob a égide do collorido senador, acredita-se que a indefinição continuará por um longo período.

O debate gira em torno da duração do sigilo dos documentos, se eterno ou limitado a 30 anos, quando forem ultra-secretos, com possibilidade de renovação ilimitada, como trata a legislação atual. Uma das mudanças propostas pela Câmara é alterar o prazo para 50 anos.

É compreensível que Sarney e Collor se preocupem com a possível liberação de documentos referentes, também, aos seus respectivos governos e aleguem que não há necessidade de revelar atos do período em que eram presidentes, pois isso “colocaria em risco a segurança do serviço de inteligência do País”. Quem tem “culpa no cartório” não luta por transparência e nem tampouco tem compromisso com a verdade.

Os grupos políticos aos quais esses senhores pertencem e seus laços familiares se misturam ao período da repressão. Desenterrar os “podres” poderia manchar a biografia desses dois grandes políticos, que sempre zelaram pelo bem público e se preocuparam com a estabilidade do Brasil e com a moralidade na política. Talvez, eles realmente acreditem na pureza de seus atos.

Precisamos estar atentos às repetidas tentativas de alguns “senhores feudais” que insistem em mudar o curso natural da história e modificá-la a seu bel-prazer, mostrando aquilo que eles acham conveniente e escondendo o que lhes incrimina, tentando nos “empurrar” limites que ferem os interesses democráticos e recrudescem o ranço de um período em que cassetetes e tortura “falavam” mais alto do que as vozes dissonantes.

É preciso, sim, refrear os arroubos ditatoriais daqueles que tentam, a todo custo, se manter no poder e levar adiante a sua “tradição” familiar. Enquanto não debelarmos (democraticamente, claro!) esses coronéis da política nacional, estaremos sujeitos às suas defesas figadais de assuntos nada republicanos e correremos o risco de que nosso atraso político seja eterno assim como eles querem que seja o sigilo dos tais documentos.

Recordista de votos nas eleições de 2010, Francisco Everardo Oliveira Silva, conhecido como Tiririca, foi eleito sob a suspeita de não saber ler nem escrever e de ter fraudado uma declaração em que afirmava o contrário. Ao passar por um teste de leitura e escrita, foi absolvido pela Justiça Eleitoral e pôde assumir seu mandato.

Nomeado para a Comissão de Educação e Cultura da Câmara recebeu diversas críticas, mas rebateu afirmando ser uma das pessoas mais indicadas para defender a cultura no Brasil, devido à sua origem circense. Se Romário, Bebeto e tantos outros artistas alçados a um cargo eletivo saíram em defesa de causas com as quais estão familiarizados, por que o palhaço não poderia fazer o mesmo?

Nesta semana, alguns projetos de sua autoria foram entregues ao plenário da Câmara, merecendo destaque o que trata da criação de uma “bolsa” para adultos que concluírem curso de leitura e escrita, tendo uma freqüência mínima de 85% às aulas, ao menos por seis meses. O piso da bolsa seria de R$ 545 e, segundo a descrição do projeto, serviria como um incentivo para quem não tenha se alfabetizado na chamada “idade escolar”.

Tiririca não tem usado a tribuna para discursar e, de acordo com seus colegas parlamentares, tem sido discreto no Congresso. Parece que ele realmente resolveu levar a sério a função que lhe foi atribuída pelos eleitores ou, talvez, esteja acanhado diante da concorrência que enfrenta lá dentro.

Porém, não nos causará surpresa se o “palhaço deputado” apresentar projetos relevantes durante seu mandato. Sua preocupação social e respeito aos eleitores parecem mais legítimos do que os de alguns “deputados palhaços” que insistem em posar de defensores dos fracos e oprimidos, apresentando mil e um projetos inúteis, mas, que na verdade, são movidos apenas por interesses particulares.

O Partido da República (PR) lançou a candidatura de Tiririca exatamente para ganhar milhões de votos e “puxar” o maior número possível de deputados para aumentar a representatividade no Congresso. Antes disso, a direção do partido levou um “não” ao consultar algumas celebridades. Ponto para o partido, ponto para o deputado “puxador” de votos e descrédito para a política nacional, que com suas regras permite a eleição de candidatos com votos insuficientes até mesmo para se tornar síndico de condomínio.

Claro que Tiririca não foi inocente, pois sabia muito bem onde estava pisando e esteve sempre confiante de que seria eleito. Convencido por políticos “experientes” de que sua carreira política seria tão bem sucedida quanto à artística, topou o desafio sob uma saraivada de críticas.

O “palhaço” aventureiro teve mais de um milhão e trezentos mil votos e se sagrou campeão nas eleições de 2010. Eleitores insatisfeitos com a cena política nacional ou, simplesmente, contrariados com a obrigatoriedade do voto, decidiram votar em Tiririca como uma forma de “protesto” e ignoraram as regras do coeficiente eleitoral.

Ele acabou “levando” para o Congresso três deputados de sua coligação, cada um com menos de 100 mil votos! Entre eles, o ex-delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, conhecido durante a Operação Satiagraha, realizada em 2008, que levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, do banco Opportunity.

Fátima Bezerra (PT-RN), presidente da comissão de Educação e Cultura da qual Tiririca faz parte diz que, embora ele tenha mantido a discrição nos trabalhos da Casa, freqüenta com assiduidade todas as reuniões. Acredito que toda proposta séria que envolva educação e fomento à cultura seja válida.

Em meio a tanta roubalheira, corrupção e projetos que ficam eternamente engavetados, apresentados por senhores que se dizem “sérios e acima de qualquer suspeita”, a aposta de que um palhaço de verdade possa fazer a diferença não pode ser em vão. Não me importo se foi o próprio Tiririca que elaborou ou, no mínimo, pensou tais projetos ou se a autoria é de sua equipe de assessores.

Deve-se esperar que a atuação do deputado seja, de fato, condizente com o cargo que ocupa, não importando se ele está aparecendo pouco diante dos holofotes, mas sim comparecendo ao trabalho. A apresentação de propostas deve ser ao menos levada em conta e defendida, ainda mais se os projetos tiverem cunho social e atenderam às demandas da população.

Embora Tiririca tenha levado quatro meses para apresentar as três propostas, vale lembrar que mais de cem deputados até hoje não apresentaram nenhuma. Também é válido acreditar que a compostura do humorista Tiririca dentro do Congresso possa vir a ser exemplo de comportamento para os seus colegas (os parlamentares!) que insistem em nos fazer de palhaços e, muitas vezes, fazer daquela Casa um verdadeiro circo de horrores.