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Recordista de votos nas eleições de 2010, Francisco Everardo Oliveira Silva, conhecido como Tiririca, foi eleito sob a suspeita de não saber ler nem escrever e de ter fraudado uma declaração em que afirmava o contrário. Ao passar por um teste de leitura e escrita, foi absolvido pela Justiça Eleitoral e pôde assumir seu mandato.

Nomeado para a Comissão de Educação e Cultura da Câmara recebeu diversas críticas, mas rebateu afirmando ser uma das pessoas mais indicadas para defender a cultura no Brasil, devido à sua origem circense. Se Romário, Bebeto e tantos outros artistas alçados a um cargo eletivo saíram em defesa de causas com as quais estão familiarizados, por que o palhaço não poderia fazer o mesmo?

Nesta semana, alguns projetos de sua autoria foram entregues ao plenário da Câmara, merecendo destaque o que trata da criação de uma “bolsa” para adultos que concluírem curso de leitura e escrita, tendo uma freqüência mínima de 85% às aulas, ao menos por seis meses. O piso da bolsa seria de R$ 545 e, segundo a descrição do projeto, serviria como um incentivo para quem não tenha se alfabetizado na chamada “idade escolar”.

Tiririca não tem usado a tribuna para discursar e, de acordo com seus colegas parlamentares, tem sido discreto no Congresso. Parece que ele realmente resolveu levar a sério a função que lhe foi atribuída pelos eleitores ou, talvez, esteja acanhado diante da concorrência que enfrenta lá dentro.

Porém, não nos causará surpresa se o “palhaço deputado” apresentar projetos relevantes durante seu mandato. Sua preocupação social e respeito aos eleitores parecem mais legítimos do que os de alguns “deputados palhaços” que insistem em posar de defensores dos fracos e oprimidos, apresentando mil e um projetos inúteis, mas, que na verdade, são movidos apenas por interesses particulares.

O Partido da República (PR) lançou a candidatura de Tiririca exatamente para ganhar milhões de votos e “puxar” o maior número possível de deputados para aumentar a representatividade no Congresso. Antes disso, a direção do partido levou um “não” ao consultar algumas celebridades. Ponto para o partido, ponto para o deputado “puxador” de votos e descrédito para a política nacional, que com suas regras permite a eleição de candidatos com votos insuficientes até mesmo para se tornar síndico de condomínio.

Claro que Tiririca não foi inocente, pois sabia muito bem onde estava pisando e esteve sempre confiante de que seria eleito. Convencido por políticos “experientes” de que sua carreira política seria tão bem sucedida quanto à artística, topou o desafio sob uma saraivada de críticas.

O “palhaço” aventureiro teve mais de um milhão e trezentos mil votos e se sagrou campeão nas eleições de 2010. Eleitores insatisfeitos com a cena política nacional ou, simplesmente, contrariados com a obrigatoriedade do voto, decidiram votar em Tiririca como uma forma de “protesto” e ignoraram as regras do coeficiente eleitoral.

Ele acabou “levando” para o Congresso três deputados de sua coligação, cada um com menos de 100 mil votos! Entre eles, o ex-delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, conhecido durante a Operação Satiagraha, realizada em 2008, que levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, do banco Opportunity.

Fátima Bezerra (PT-RN), presidente da comissão de Educação e Cultura da qual Tiririca faz parte diz que, embora ele tenha mantido a discrição nos trabalhos da Casa, freqüenta com assiduidade todas as reuniões. Acredito que toda proposta séria que envolva educação e fomento à cultura seja válida.

Em meio a tanta roubalheira, corrupção e projetos que ficam eternamente engavetados, apresentados por senhores que se dizem “sérios e acima de qualquer suspeita”, a aposta de que um palhaço de verdade possa fazer a diferença não pode ser em vão. Não me importo se foi o próprio Tiririca que elaborou ou, no mínimo, pensou tais projetos ou se a autoria é de sua equipe de assessores.

Deve-se esperar que a atuação do deputado seja, de fato, condizente com o cargo que ocupa, não importando se ele está aparecendo pouco diante dos holofotes, mas sim comparecendo ao trabalho. A apresentação de propostas deve ser ao menos levada em conta e defendida, ainda mais se os projetos tiverem cunho social e atenderam às demandas da população.

Embora Tiririca tenha levado quatro meses para apresentar as três propostas, vale lembrar que mais de cem deputados até hoje não apresentaram nenhuma. Também é válido acreditar que a compostura do humorista Tiririca dentro do Congresso possa vir a ser exemplo de comportamento para os seus colegas (os parlamentares!) que insistem em nos fazer de palhaços e, muitas vezes, fazer daquela Casa um verdadeiro circo de horrores.