A precariedade da Saúde em Roraima não se restringe ao mau atendimento (público e privado), mas passa por um momento crítico envolvendo denúncias de corrupção (vide Operação Mácula), falta de medicamentos e de material, além do mau estado de conservação da infra-estrutura hospitalar. O número de pacientes, segundo as autoridades, supera o esperado, já que muitas pessoas procuram atendimento sem necessidade imediata, por se tratar de casos a ser assistidos, a princípio, em postos de saúde distribuídos pela capital e municípios.
Acontece que a informação é escassa, os postos nem sempre funcionam a contento e a incapacidade de responder a um aumento da demanda, e como supri-la, atesta o descaso com a administração do sistema de saúde. Como não prever que a cidade e o Estado teriam um aumento populacional? Uma nota recente da Secretaria de Estado da Saúde (SESAU) sinaliza a necessidade de “rediscutir a oferta dos serviços oferecidos à população em todos os níveis. Trabalhar a medicina preventiva talvez seja um dos caminhos a ser percorrido.”
A “rediscussão” seria uma resposta ao fato de Roraima ser um dos Estados da Região Norte que mais cresceu em termos populacionais. Por que ao invés de “rediscutir”, as autoridades do Estado não criaram bases e formas de se prevenir o que, como conseqüência natural, acabaria por acontecer? Crescimento populacional se dá em todo canto, com a diferença de que em alguns lugares há planejamento e em outros não. Estados e cidades pequenos, novos e com baixa densidade populacional são, naturalmente, chamarizes para migrantes e investidores, sendo considerados “promissores”, alguns até “eldorados”.
Nas últimas semanas temos sido bombardeados por denúncias que afetam o sistema estadual de Saúde. Não demora muito, chegaremos à “grande mídia”, mais uma vez levados por escândalos. Falsificação de notas fiscais, vício em licitações, peculato, superfaturamento de medicamentos e produtos médico-hospitalares, simulação de entrega de medicamentos e equipamentos e, no ano passado, flagrante de descarte irregular de medicamentos dentro do prazo de validade. Especula-se que o rombo nos cofres públicos chegue a R$ 30 milhões! E a saúde em frangalhos…
Mas, sejamos justos: investimento em saúde pública, no geral, é baixo em todo o País. Um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgado ano passado aponta que o Brasil aplicou apenas 5,4% do PIB no setor, o que nos coloca na 169ª posição entre 198 países. Estamos mais próximos de Angola do que da Alemanha, Suíça e Estados Unidos. Com investimento de 13,9% até a Argentina nos supera, ficando em 54º lugar. Apesar do orçamento do Ministério da Saúde para este ano ser de R$ 77 bilhões (o maior valor desde 1995, segundo o site Contas Abertas), a falta de planejamento e de fiscalização dos gastos são empecilhos para a correta aplicação de recursos.
Uma das formas de se controlar os gastos e cobrar a devida aplicação de recursos seria a regulamentação da Emenda Constitucional nº. 29, que define o quanto as três esferas (Governo Federal, Estados e municípios) devem dispor para investimento em saúde. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) tem isso como prioridade e um dos argumentos é que a regulamentação da EC nº. 29, dentre outras coisas, evitaria a maquiagem dos gastos públicos.
Um dos maiores entraves são os Estados que, para alcançar a cota de 12% em investimento no setor, incluem até despesas com saneamento e pagamento de pensionistas. O projeto de regulamentação da Emenda, incluindo as mudanças, foi aprovado pelo Senado e está parado na Câmara desde 2008. Burocracia e interesses não tão republicanos emperram o desenvolvimento do País e acabam por contaminar, em cascata, as demais esferas do poder público.
Alguns irão dizer: ora, segundo dados do Ministério da Saúde, Roraima está entre os estados que mais investiram em saúde nos últimos anos, ficando, inclusive, acima do mínimo de 12% exigido pela Constituição Federal. Percentualmente, foram 14,52% em 2008, o que corresponde a R$ 174 milhões. Então, para onde estão indo os recursos? Como estão sendo aplicados? Ou, simplesmente, estão parados? Por que tantas reclamações por parte da população? Será que estamos nos queixando de “barriga cheia”?
O Plano Estadual de Saúde do Estado de Roraima 2010-2011 é um “documento que expressa a situação da Saúde no Estado e define as políticas públicas e compromisso da SES (sic) com relação à saúde da população roraimense, sendo a base para a execução, monitoramento e avaliação da gestão do sistema de saúde”. É o que lemos na apresentação do Plano. Lemos, também, o que se segue:
“No âmbito do Sistema Único de Saúde, o planejamento é um instrumento estratégico de gestão, mediante o qual cada esfera do governo deve se valer para a observância dos princípios e o cumprimento das diretrizes operacionais que norteiam o SUS. Neste sentido, o desenvolvimento e a operacionalização oportuna do processo de planejamento devem ser preocupação constante dos gestores e dos profissionais do SUS. Num contexto social, político e econômico, o planejamento passou a ser tratado como importante mecanismo para conferir eficiência à gestão descentralizada, funcionalidade das pactuações e emprego estratégico de recursos. Um potente instrumento que colabora, plena e efetivamente, para o funcionamento sustentado do Sistema Único de Saúde. A Secretaria Estadual de Saúde realizou em abril de 2009, um diagnóstico situacional do Perfil da área de Planejamento das Secretarias Municipais de Saúde dos municípios de Alto Alegre, Amajari, Bonfim, Cantá, Caroebe, Caracaraí, Iracema, Mucajaí, Normandia, Pacaraima, Rorainópolis, São João da Baliza, São Luiz e Uiramutã do estado de Roraima, na tentativa de levantar as dificuldades que impedem o avanço da descentralização de gestão nos municípios de Roraima, entre outras evidenciou as seguintes informações:
A maioria das respostas fornecidas pelas Secretarias Municipais de Saúde com 71,4%, não possuem Organograma Formal e 28,6% tem organograma informal, mas não apresentam unidades de planejamento como parte da estrutura formal, o único município (Mucajaí) que contempla a área de planejamento, não possui pessoal especificamente alocado nas atividades de planejamento.
A grande maioria das Secretarias Municipais de Saúde, não utilizam dos instrumentos de planejamento e aqueles existentes não foram encontrados em seus arquivos (os Secretários tinham assumido o cargo recentemente). Quanto ao documento de adesão ao pacto pela Saúde (TCGM) tramitado em CIB, foi verificado ausência de instrumento para acompanhamento do resultado dos indicadores. Na Secretária Estadual de Saúde não constam os instrumentos de planejamento e gestão como: Plano Estadual de Saúde, Programação Anual de Saúde e instrumentos para monitoramento e avaliação dos indicadores e responsabilidades firmadas na adesão do Pacto pela saúde.
… No estado de Roraima, no tocante ao planejamento, a organização das ações ainda é bastante precária, o que dificulta o exercício eficiente e efetivo da descentralização de gestão e funcionalidade das pactuações…
A Secretaria Estadual de Saúde foi instituída por meio do Decreto Nº. 158, de 1º de novembro de 1991, atendendo assim as tendências da época, entretanto, transcorridas quase duas décadas, vivenciamos atualmente um cenário mais complexo que exigiu adequação da Estrutura Organizacional com finalidade de atender as especificidades regionais voltadas à saúde, valorização dos servidores que atuam na área de coordenador, diretor, gerente ou equivalente, para garantir à população a melhoria dos serviços ofertados.”
Concluindo:
Fica registrado, então, que os problemas já foram diagnosticados pelas autoridades, estão sendo sentidos na pele pela população e tem-se a intenção de se escolher um caminho para acertar os passos. Entretanto, não se sabe ao certo qual “remédio” deverá ser usado e em qual medida, se em doses homeopáticas ou cavalares.
Uma sugestão, entre tantas outras que já devem ter sido dadas por aí: é válido conferir o documento “Critérios para Análise de Investimentos em Saúde”, da Diretoria de Investimentos e Projetos Estratégicos vinculada à Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde. Destaco aqui um trecho: “a racionalização dos investimentos, a focalização das políticas públicas e o custo-efetividade das ações governamentais refletem mudanças legais e operacionais necessárias para o desenvolvimento do setor Saúde”.
*Originalmente publicado em 08/04/11 no http://baianonarede.zip.net