Arquivo de novembro, 2011

Quando um Estado ou município dependem de decisões judiciais para afastar um mandatário ou alçar outro ao poder, alguma coisa parece estar errada. E quando o povo não sabe valorizar o seu voto e vive sob o constante suspense das análises jurídicas, liminares e recursos, que vão muito além do período eleitoral e se tornam uma espécie de “terceiro turno” sem prazo para acabar, percebemos que há falhas no sistema eleitoral, recheado de brechas que permitem os “vícios” do jogo do poder.

Vermelho, amarelo, roxo, rosa ou azul nada mais são do que símbolos, adotados individual ou coletivamente, para definir a “causa” e mostrar a todos “de que lado eu estou”, “em quem eu votei” e “quem me guarnece”. Há os que realmente são apaixonados pela causa, alguns muito lúcidos e que engrandecem o debate (quando há), primando pelo respeito ao adversário, às idéias contrárias e à rivalidade meramente político-partidária. Outros são vítimas de um tipo de paixão que cega, desrespeita e resvala para baixaria e ausência de idéias, onde a desqualificação do oponente e a ofensa são as armas preferidas. Fazem as apostas, mas se esquecem da compostura, das regras básicas da boa convivência.

Porém, para os desvalidos de informação e para os vitimados pela ignorância em sua forma mais bruta, as colorações partidárias dão lugar às sombras da incapacidade de raciocínio próprio e da falta de senso crítico, o que favorece a manutenção de um povo sob “cabresto” e inepto para fazer suas próprias escolhas, pois dependentes dos “pensamentos” alheios e das vontades de alguns.

Nessas circunstâncias, não importa se fulano, beltrano ou sicrano estão no poder porque representam a melhor opção. O que vale é o que essas “opções” podem trazer de benefícios a alguns, ainda que tantos outros permaneçam desassistidos porque o poder público lhes virou as costas. São desamparados pela parcialidade do Estado, pois é comum se esquecer que um governo democraticamente eleito é para todos e não para alguns. Eleitores de “A” e “B” vivem sob as mesmas regras e têm os mesmos direitos e deveres.

Os debates se esvaziaram e, em muitos casos, tornaram-se nonsense. Se instruídos fôssemos, as discussões se dariam em torno de idéias, de propostas. Se os candidatos, eleitos ou derrotados, agissem obedecendo ao rigor da lei, uma parte do tempo de mandato não seria perdida nos tribunais. Não teríamos tempo para ataques pessoais porque nossas atenções estariam, de fato, voltadas à coletividade.

Porém, o que se vê, é tal fragilidade eleitoral e política (e não me restrinjo à partidária) que atravanca o desenvolvimento de qualquer Estado, posto que amarrado a “tradições” dos tempos das Capitanias Hereditárias. Tudo parece um jogo de cartas (algumas vezes marcadas) em que o poder do “curinga” estará sempre ameaçado e seu valor mudará não por causa das possíveis “combinações” feitas pelos “parceiros de jogo”, e sim pelas “circunstâncias” decorrentes da aplicação imparcial das regras. Pelo menos, é o que se espera!

As denúncias sobre casos de corrupção envolvendo “primeiras-damas” em municípios de São Paulo e Alagoas, veiculadas no Fantástico deste domingo, revelam como algumas dessas senhoras costumam se comportar ao tratar a coisa pública como se privada fosse (sem trocadilhos, por favor!). Na maioria das vezes, ocupam pastas relacionadas ao “social”: Assistência Social, Bem-Estar Social, “combate a isso”, “combate àquilo”, enfim, sempre algum cargo em que a preocupação com os desvalidos é a principal bandeira! Maquiagem pura! Há, ainda, as que são nomeadas e nunca comparecem aos seus locais de trabalho, mas recebem os gordos salários religiosamente.

Na verdade, como demonstrado na reportagem e como em tantos outros casos que não repercutem nacionalmente, o interesse maior é, única e exclusivamente, o “bem-estar” pessoal! As secretarias e demais entidades servem apenas como vitrine e escada. Vitrine para que passem a imagem de bondosas senhoras, comprometidas com as questões sociais mais urgentes; e escada para que alcancem mais facilmente as empreiteiras e os empresários que contribuem para que o ciclo do “toma lá, dá cá” nunca se esgote e continue sendo alimentado por propinas e licitações fraudulentas.

Para que serve uma primeira-dama?! Isso não seria um ranço do nosso atraso político?! (ou de qualquer outro país?!). Vale lembrar que me refiro à importância que se dá a um título que existe “por tabela”. Vá lá, há os que digam que é só uma questão de status, algo que está atrelado ao ocupante do cargo (prefeito, governador, presidente). Mas, de forma alguma, essas senhoras deveriam estar à frente de secretarias, cargos, enfim, exercendo funções públicas apenas pelo fato de serem casadas com quem são.

Há primeiras-damas que fazem questão de ser discretas: algumas quase mudas, como Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Lula; outras, ativas e de fato envolvidas em questões de cunho social, a exemplo de Ruth Cardoso, mulher de Fernando Henrique, falecida em 2008, mas que sempre rejeitou esse famigerado (no sentido pejorativo mesmo!) título. Enquanto seu marido esteve à frente da Presidência da República, Ruth Cardoso se preocupou com o combate à miséria e à desigualdade social, mas sem fazer alarde. Ela criou e presidiu o programa Comunidade Solidária e a organização não-governamental Comunitas. Ainda assim, nunca se valeu do seu status e não assumiu nenhum cargo por indicação de seu marido presidente.

As primeiras-damas denunciadas não ficam apenas nos bastidores, mas fazem questão de mostrar que mandam mais do que os próprios maridos eleitos. Em alguns casos, agem como se também tivessem mandato, como se tivessem sido escolhidas pelo povo. Um dos casos citados pelo Fantástico é o da primeira-dama de Campinas, Rosely Nassim Santos, conhecida, inclusive, por “mandar no prefeito”. Conforme declarou um promotor de Justiça, há indícios de que ela é “a mão firme” na administração do município, além de comandar um esquema criminoso que teria lucrado R$ 48 milhões com cobranças de propina e fraude em licitações.

Em Lagoa da Canoa, localizada em Alagoas, a primeira-dama Fabiana Lira, que também é secretária de Assistência Social, usou o dinheiro da merenda escolar da cidade de 18 mil habitantes para comprar seis litros de uísque, 24 garrafas de vinho e ração para cachorro. Ela havia sido presa em março, mas agora responde em liberdade. Em Taubaté, interior de São Paulo, o prefeito e a sua mulher Luciana também ficaram três dias no xilindró em junho deste ano, mas conseguiram um habeas-corpus. Segundo denúncias, a primeira-dama de Taubaté costumava receber de empresários jóias como recompensa pelas fraudes em licitações. O denunciante afirmou que eram consideradas “presentes, mimos”.

Assim como os casos denunciados no programa dominical, há milhares de outros espalhados pelo Brasil nos mais de 5.500 municípios. Não importa se a cidade é rica ou pobre, há sempre os que utilizam o poder público para tirar vantagens pessoais. Para se dar bem, não é necessário ter sido eleito. Os que estão próximos, por laços de sangue, mancebia ou contratos matrimoniais, sempre terão uma participação importante nos “negócios” da família.

Esses acontecimentos só nos dão a certeza de que as tão discriminadas “damas de bordel” (ou mulheres-damas, como são conhecidas em algumas regiões ou, simplesmente, damas, meretrizes, prostitutas) são muito mais dignas do nosso respeito e admiração do que algumas “primeiras-damas” que se arvoram representantes do povo e se dizem acima de qualquer suspeita, mas que apenas prostituem a própria honra para não perderem o status ou, simplesmente, adornarem seus corpos com “mimos” recebidos de empresários beneficiados pela roubalheira “oficial”.

P.S.: Se o “cargo” de primeira-dama é tão necessário, está mais do que na hora de a presidente Dilma Rousseff ter a sua!