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Antes mesmo de decretar estado de calamidade pública, o governo do Estado já sinalizava que não realizaria o arraial do Parque Anauá, alegando falta de verba e de condições do local para abrigar um evento desse porte, motivos há muito já conhecidos por todos os boa-vistenses e noticiados a todo tempo. A Prefeitura há poucos dias trilhava o mesmo caminho ao comentar a incerteza quanto à realização do “maior arraial do Norte” pois, devido à redução de repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o caixa anda “apertado”, o que, ainda segundo o Executivo municipal, tem sido motivo de atraso no pagamento de salários dos servidores.

Ainda à espera da liberação dos R$ 15 milhões provenientes do Ministério da Integração Nacional para reconstrução das áreas atingidas pelas fortes chuvas dos últimos dias e para assistência às vítimas da enchente do Rio Branco, Boa Vista se prepara para a realização de sua tradicional festa junina, que começará no dia 9 de julho e se estenderá até o dia 16. Espera-se, segundo a Prefeitura de Boa Vista, que 120 mil pessoas visitem o Arraial nesse período e haja uma movimentação financeira de R$ 4 milhões, além da geração de emprego e renda.

Neste ano, o Canil da Guarda Municipal foi desativado. Segundo a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Trânsito (SMSUT), o seu fechamento deveu-se (também) à redução do FPM e constava do pacote de medidas adotas pela Prefeitura para ajustar o orçamento em virtude da crise financeira pela qual Boa Vista tem passado ultimamente. A mesma Secretaria argumentou, ainda, que se tratava apenas de uma unidade de suporte e por isso não haveria nenhum prejuízo para a defesa do patrimônio da cidade.

À época, o presidente do Sindicato dos Guardas Municipais do Estado de Roraima, Vilmar Moreira, contestou a decisão da Prefeitura e disse que tentaria convencer as autoridades a não fechar o Canil, alegando a necessidade de uso dos cães em determinados tipos de abordagem a marginais, busca por drogas e apoio à Polícia Civil em investigações. Tudo isso, segundo ele, com um baixo custo de manutenção dos animais.

Eram gastos R$ 600 por mês, ou seja, R$ 7,2 mil por ano e, ainda assim, com a ajuda de cota dos guardas para alimentar e medicar os animais. As tentativas de Moreira foram frustradas e, como se sabe, não houve “busca de parcerias” para que se tentasse solucionar o problema. Vale lembrar também a situação dos restaurantes populares que em março foram fechados por dois dias. O motivo alegado? Falta de recursos em conseqüência (mais uma vez!) da redução do FPM.

A falta de urgência para evitar que se desativasse o Canil é, no mínimo, um contra-senso se compararmos à agilidade da Prefeitura na organização do arraial deste ano. Vale ressaltar que, cada equipe do grupo especial de quadrilhas juninas receberá R$ 8 mil. Ou seja, por alguns dias de festa elas receberão R$ 800 a mais do que se gastaria em um ano cuidando dos cães que “trabalhavam” na Guarda Municipal. A Prefeitura deve repassar R$ 130 mil para as 20 quadrilhas e há uma semana foi realizado o chamado “Esquenta Junino”, evento para a escolha da Rainha e Rei Caipiras, cujo total da premiação (em dinheiro) era de R$ 6,3 mil.

As informações são de que serão gastos R$ 480 mil pela Prefeitura Municipal na realização do evento, podendo chegar a R$ 800 mil com a ajuda proveniente dos parceiros do setor privado. A expectativa de Mário Augusto Moura, vice-presidente da Liga de Quadrilhas de Roraima (Liquajur), era a de que o governo do Estado repassasse R$ 324 mil para todas as quadrilhas da capital e do interior.

Não há dúvidas de que investimento em cultura, geração de “emprego e renda” e o esforço para que se realize um evento de tamanha importância para o município sejam louváveis. A dúvida é quanto ao critério (se houver) para a escolha de prioridades, quando Estado e municípios passam por dificuldades financeiras que atingem o bom funcionamento administrativo e as políticas públicas não são suficientes para atender as demandas mais urgentes, como saúde e educação de qualidade, além do investimento em infraestrutura.

Enquanto isso, quase 1.900 pessoas, entre desabrigados e desalojados, ainda sofrem as conseqüências diretas das fortes chuvas de “inverno” que elevaram o nível do Rio Branco como não se via há muito tempo. Elas ainda dependem da doação de cestas básicas, roupas, do amparo de amigos e parentes, pois muitas perderam casas, móveis e eletrodomésticos. Não se pode dizer que faltou solidariedade da população e que os órgãos públicos não tenham se esforçado para tentar dirimir a dor dessas pessoas (antes tarde do que nunca!).

Se investir em eventos como esse faz circular milhões de reais, já não seria hora de Estado e municípios unirem forças para “alavancar” a cultura e o turismo, não somente em datas comemorativas? Não seria mais “lucrativo” se organizar, planejar e “buscar parcerias” em prol da industrialização e melhoria da prestação de serviços para que mais recursos sejam arrecadados e nos tornemos menos dependentes do FPM e do FPE? Por que a urgência de algumas ações não se aplica a outras e, na maioria das vezes, tenta-se “tapar o sol com a peneira” e esperar o pior acontecer, o que nos coloca à mercê dos recursos federais e da ajuda que custam a chegar?

Em determinadas situações, faz-se mais que urgente a necessidade de quebra de “protocolo” na adoção de medidas que visem ao bem comum, principalmente quando se trata da redução de desigualdades sociais e do atendimento às pessoas atingidas por “desastres naturais”. Seria de bom tom se, ao menos em situações críticas, víssemos o mesmo empenho e rapidez que há na organização de festas e na busca de parcerias para a realização de grandes eventos.

Assim como há competência para agendar, conforme o orçamento de cada poder executivo, os eventos de todo ano e contemplar cada pasta com verbas generosas, seria razoável se o planejamento e a prevenção também fizessem parte da administração pública evitando, assim, os transtornos causados à população em períodos “atípicos” e o gasto desnecessário de tempo e dinheiro para amenizar os estragos.

Recordista de votos nas eleições de 2010, Francisco Everardo Oliveira Silva, conhecido como Tiririca, foi eleito sob a suspeita de não saber ler nem escrever e de ter fraudado uma declaração em que afirmava o contrário. Ao passar por um teste de leitura e escrita, foi absolvido pela Justiça Eleitoral e pôde assumir seu mandato.

Nomeado para a Comissão de Educação e Cultura da Câmara recebeu diversas críticas, mas rebateu afirmando ser uma das pessoas mais indicadas para defender a cultura no Brasil, devido à sua origem circense. Se Romário, Bebeto e tantos outros artistas alçados a um cargo eletivo saíram em defesa de causas com as quais estão familiarizados, por que o palhaço não poderia fazer o mesmo?

Nesta semana, alguns projetos de sua autoria foram entregues ao plenário da Câmara, merecendo destaque o que trata da criação de uma “bolsa” para adultos que concluírem curso de leitura e escrita, tendo uma freqüência mínima de 85% às aulas, ao menos por seis meses. O piso da bolsa seria de R$ 545 e, segundo a descrição do projeto, serviria como um incentivo para quem não tenha se alfabetizado na chamada “idade escolar”.

Tiririca não tem usado a tribuna para discursar e, de acordo com seus colegas parlamentares, tem sido discreto no Congresso. Parece que ele realmente resolveu levar a sério a função que lhe foi atribuída pelos eleitores ou, talvez, esteja acanhado diante da concorrência que enfrenta lá dentro.

Porém, não nos causará surpresa se o “palhaço deputado” apresentar projetos relevantes durante seu mandato. Sua preocupação social e respeito aos eleitores parecem mais legítimos do que os de alguns “deputados palhaços” que insistem em posar de defensores dos fracos e oprimidos, apresentando mil e um projetos inúteis, mas, que na verdade, são movidos apenas por interesses particulares.

O Partido da República (PR) lançou a candidatura de Tiririca exatamente para ganhar milhões de votos e “puxar” o maior número possível de deputados para aumentar a representatividade no Congresso. Antes disso, a direção do partido levou um “não” ao consultar algumas celebridades. Ponto para o partido, ponto para o deputado “puxador” de votos e descrédito para a política nacional, que com suas regras permite a eleição de candidatos com votos insuficientes até mesmo para se tornar síndico de condomínio.

Claro que Tiririca não foi inocente, pois sabia muito bem onde estava pisando e esteve sempre confiante de que seria eleito. Convencido por políticos “experientes” de que sua carreira política seria tão bem sucedida quanto à artística, topou o desafio sob uma saraivada de críticas.

O “palhaço” aventureiro teve mais de um milhão e trezentos mil votos e se sagrou campeão nas eleições de 2010. Eleitores insatisfeitos com a cena política nacional ou, simplesmente, contrariados com a obrigatoriedade do voto, decidiram votar em Tiririca como uma forma de “protesto” e ignoraram as regras do coeficiente eleitoral.

Ele acabou “levando” para o Congresso três deputados de sua coligação, cada um com menos de 100 mil votos! Entre eles, o ex-delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, conhecido durante a Operação Satiagraha, realizada em 2008, que levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, do banco Opportunity.

Fátima Bezerra (PT-RN), presidente da comissão de Educação e Cultura da qual Tiririca faz parte diz que, embora ele tenha mantido a discrição nos trabalhos da Casa, freqüenta com assiduidade todas as reuniões. Acredito que toda proposta séria que envolva educação e fomento à cultura seja válida.

Em meio a tanta roubalheira, corrupção e projetos que ficam eternamente engavetados, apresentados por senhores que se dizem “sérios e acima de qualquer suspeita”, a aposta de que um palhaço de verdade possa fazer a diferença não pode ser em vão. Não me importo se foi o próprio Tiririca que elaborou ou, no mínimo, pensou tais projetos ou se a autoria é de sua equipe de assessores.

Deve-se esperar que a atuação do deputado seja, de fato, condizente com o cargo que ocupa, não importando se ele está aparecendo pouco diante dos holofotes, mas sim comparecendo ao trabalho. A apresentação de propostas deve ser ao menos levada em conta e defendida, ainda mais se os projetos tiverem cunho social e atenderam às demandas da população.

Embora Tiririca tenha levado quatro meses para apresentar as três propostas, vale lembrar que mais de cem deputados até hoje não apresentaram nenhuma. Também é válido acreditar que a compostura do humorista Tiririca dentro do Congresso possa vir a ser exemplo de comportamento para os seus colegas (os parlamentares!) que insistem em nos fazer de palhaços e, muitas vezes, fazer daquela Casa um verdadeiro circo de horrores.

A salvação do Fantástico*

Publicado: 12/04/2011 em Cultura

Na cidade de Itajaí (SC), na BR 101, um funcionário de um posto de combustível costuma abordar os caminhoneiros para oferecer cocaína logo que eles se aproximam para “abastecer”. Ainda na mesma BR, em outro posto, o mesmo acontece. Segundo Ferraz, a venda de drogas é feita nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Alagoas. O que se percebe é que o frentista é um intermediário: um deles afirma que, após o serviço no posto de combustível, irá se encontrar com traficantes, pois três caminhoneiros já haviam encomendando cocaína.
Além de cocaína, crack e maconha são facilmente encontrados; o uso de “arrebite”, como se vê, já não é suficiente para deixar motoristas irresponsáveis “ligados” nas estradas. Muitos usam como desculpa o cumprimento de horários e as premiações para que se faça uso de entorpecentes; por outro lado, há caminhoneiros como Nilton Clemente Mina que, há mais de 28 anos nas estradas, diz nunca ter usado drogas nem tampouco se envolvido em acidentes.
Em Natal (RN), um servidor da Polícia Rodoviária Estadual aborda o carro usado pela equipe de reportagem e diz que vai aplicar multa por causa do uso de vidros escuros. Sem saber que está sendo filmado, o policial pede que o produtor o acompanhe até o posto, onde pede propina: R$ 15,00 (isso mesmo: R$ 15,00!) e ele livra o “infrator” da notificação.
Em outro trecho da reportagem, dessa vez no Ceará, o superintende da Polícia Rodoviária daquele estado, Ubiratan Roberto de Paula, fala para um grupo de policiais sobre a abordagem feita a um deputado federal que teve o carro apreendido e que teria ficado furioso. No vídeo, o superintendente aparece dizendo: “Isso vai repercutir lá dentro do Congresso Nacional, com o cidadão que tem direito a voz no Parlamento”. Segundo ele, os policias devem pensar duas vezes antes de multar políticos e empresários, chamados por ele de “parceiros”. Sem sombra de dúvidas, nesse caso a propina vai muito além de meros R$ 15,00! O nobre superintendente, de acordo com a reportagem, pediu demissão no dia 23 deste mês. Alegou problemas de saúde.
Em outro vídeo, o coordenador geral de operações da Polícia Rodoviária Federal disse a policiais em uma reunião ocorrida em novembro do ano passado: “A gente vive da política também. A gente vive dessa imagem, dessa imagem que, quem é especialista sabe, não resolve. O que resolve é a coisa paulatina, todo dia. Mas, para dar uma resposta à opinião pública, tem que fazer a firula. Então, estamos lá fazendo a firula com todo mundo”. Ao tentar se explicar, o coordenador afirmou que firula seria um jargão interno da PRF, tentando dar outro significado ao que os dicionários registram como “floreio”, “rodeio”. Depois de ter visto a reportagem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, exonerou o coordenador nacional de operações da Polícia Rodoviária Federal.
Além do consumo de drogas e dos policiais corruptos, ainda pesam sobre a nossa malha rodoviária a má conservação de estradas e o abandono e sucateamento de prédios que deveriam servir aos interesses do País. Os dez mil quilômetros foram feitos em 20 dias e a equipe de reportagem passou por 70 postos de fiscalização, sendo que alguns estavam abandonados. Como Maurício Ferraz afirmou, eles só foram abordados uma vez, mas nem houve fiscalização para saber se o caminhão estava carregado.

*Originalmente publicado em 29/03/11 no http://baianonarede.zip.net